De entre as diversas matérias das ciências naturais, os fósseis ocupavam um lugar particular nos interesses de Slavick. Possuía alguns exemplares raros que tinha recebido de herança familiar a que juntava outros que ia adquirindo no decorrer das suas viagens. Em maior número eram as imagens que colecionou incluindo alguns daguerreótipos que tinha trazido de frança. Conhecia a famosa imagem de Daguerre (1) e possuía um exemplar do livro de James Deane (1801–1858), Ichnographs from the Sandstone of Connecticut River, publicado em 1861. O que lhe chamou de imediato a atenção, no livro, foram as provas em papel salgado. Admirava não só as provas em si, com a sua beleza e suavidade característica desta técnica, como a representação dos fósseis que via como representações abstratas da própria fotografia. Não lhe interessava o lado meramente documental das imagens, que identificavam e classificavam o que representavam, mas o lado simbólico que adquiriam quando as relacionava com o processo fotográfico.
O fóssil é uma memória de algo que já não existe, um traço do passado. É matéria sedimentada na rocha ao longo de milhões de anos. É aí que Slavick encontra a fotografia. Segundo o seu modo de entendimento, a fotografia cristalizava a realidade, capturava a sua aparência nas várias camadas da química espalhada pela sua superfície, reduzindo-a a duas dimensões e, tal como o fóssil aparecia à luz quando retirado da terra, a fotografia revelava o passado quando olhada. O que lá está, o que reconhecemos na superfície plana da imagem, já não existia; como que reaparecia (2).
Um dia, quando estava a preparar pedras litográficas para um dos seus trabalhos de impressão, teve a ideia de tentar imprimir uma fotografia na pedra. Mas não seria uma fotografia qualquer numa pedra litográfica. Seria uma fotografia de um fóssil, impressa no próprio fóssil; um objeto único, híbrido, que juntava representação e representado no mesmo suporte. Encetou um longo processo de teste e pesquisa que acabou por abandonar não por desinteresse, mas por dificuldades relacionadas com a permanência das imagens na superfície da pedra. A química não era absorvida pela pedra e torna-se difícil sensibilizá-la, com a química a ficar apenas pela superfície o que fazia com que o processamento fosse muito complicado (no fundo dissolvia a camada sensível). Acrescia que a fixação não era eficaz o que tornava as imagens impressas por este método excessivamente frágeis. Para Slavick, isto era uma contradição. Não lhe fazia sentido ligar a perenidade do fóssil com a efemeridade da fotografia (3). Optou então por um processo diferente. Fazia a impressão e depois fotografava o resultado. Perdia parte da ideia original, mas ganhava outras coisas: o registo e fixação do resultado deste processo e a possibilidade de reprodução. De qualquer modo havia algo de circular na imagem final que não lhe era desinteressante. No fundo era uma imagem de uma sedimentação em cima de outra sedimentação. Tornava visível, até pela sobreposição da impressão com o objeto, essa ideia de camadas sobrepostas na fotografia que lhe interessava desenvolver. A imagem desta nota diz respeito a um teste feito por Slavick a uma dessas impressões. Refere num dos seus cadernos a dificuldade de registar os resultados destas impressões diretamente em cima dos fósseis (4). As exposições tinham de ser muito longas, porque eram realizadas à sombra. O excesso de luz, devido à fraca fixação, fazia com que a impressão escurecesse demasiado depressa. No caso desta imagem, fez uma anotação no verso em que refere que a imagem dupla que aparece não se deve a um problema de exposição, mas ao facto de a impressão em cima do fóssil não ter ficado perfeitamente sobreposta. Este, era outro dos problemas que enfrentou. A impressão de uma representação plana em cima de um volume era complicada resultando nestas imagens duplas.
Anos mais tarde, escreve umas notas a propósito destas experiências (5). Já a gelatina era utilizada nas emulsões fotográficas o que facilitava estas experiências de impressão em todos os tipos de suporte. Numa nota encontra-se a referência a uma impressão que terá feito numa das paredes de uma das casas em que viveu em Bruxelas. Apesar de dizer que nunca este tipo de técnica teria a beleza dos frescos de Pompeia, por exemplo, não podia deixar de se interrogar que ideia faria do nosso tempo quem encontrasse, numa escavação arqueológica no futuro, este tipo de representação mural. Essa ideia de uma possível arqueologia das imagens levou-o a outra questão. Não pode deixar de se interrogar se as fotografias também fossilizam e, em caso afirmativo, com que se pareceriam elas?
(1) Louis Daguerre, Coquillages et fossiles, daguerréotype, circa 1839
(2) Ce n’est plus; pourtant le voici! escreve Slavick num dos seus cadernos SLA/LS/MISC/N02
(3) Esta ideia de ligação entre a representação e o suporte é muito atual. Ver, por exemplo, o trabalho dos irmãos Doug e Mike Starn
(4) SLA/LS/MISC/N04
(5) SLA/LS/MISC/N22