Número 32

27 de Maio de 2023

NOTAS DO ARQUIVO

Notas do Arquivo

FRANCISCO FEIO

SLA/LS/VIS/EXP-B012-P36


Há inúmeras experiências de Slavick no campo da fotografia a cores ainda antes dos primeiros processos fotográficos cromáticos serem comercializados. Num conjunto de notas encontradas num dos seus cadernos (1), descreve como andava a reproduzir os passos que tinha encontrado num texto antigo com que se cruzou na biblioteca de um amigo em Bruxelas, Les couleurs en photographie, solution du problème, publicado em 1869 por Louis Ducos du Hauron (1837 – 1920) com quem, muitos anos mais tarde, ainda se irá encontrar e falar destas experiências. Conversa que terá lugar apenas por curiosidade já que outros processos existiam e, na realidade, Slavick nunca conseguiu entender bem como realizar o processo em condições. As suas descrições parecem o relato de um desaire anunciado a cada passo que dava. Contudo, habituado a tirar partido das suas experiências falhadas, acaba por desenvolver um método particular de dar cor às imagens se bem que não se tratava de uma cor local, realista. Dizia que era interessante ver em imagem a representação de um mundo em que a cor estivesse completamente desorganizada em relação à natureza. Escreve “um dia alguém tratará de resolver este problema [o da representação fiel da cor local]; por agora basta-me colorir o mundo segundo a lógica que a imagem me sugere(2). Claramente, esta imagem pertence a uma série inicial relativa à experimentação com matérias corantes. A cor encontra-se desvanecida e notam-se as marcas de um pincel que parece ter sido responsável pela aplicação da cor em camadas muito suaves de uma tinta muito diluída ao estilo da aguarela. Olhando com atenção, nota-se que terá existido uma sobreposição de camadas de matéria corante que lembram o aspeto visual do autochrome dos irmãos Lumière (3) que virá a público mais tarde. A prova encontra-se com os bordos aparados pelo que não se encontram marcas com o registo das várias camadas. Tudo aponta que tenha sido utilizado um processo semelhante ao da impressão a carvão (carbon print ou tirage au charbon), inventado por Alphonse Poitevin (1819-1882) em 1855 e mais tarde adaptado à impressão cromática pelo próprio Louis Ducos du Hauron à volta de 1868, a data em que publica a descrição do procedimento de impressão cromática. Há sinais de que Slavick terá usado a impressão a carvão, pelo menos como uma imagem base, mas que depois não terá conseguido resolver a parte da impressão cromática (ou que a terá abandonado propositadamente segundo a citação referida acima). O certo é que mais tarde trabalhará com outros processos cromáticos com sucesso. Mas nesta altura, que é uma época de grande experimentação para Slavick, o interesse reside mais nas potencialidades plásticas dos processos que na sua utilização correta. Para mais, o interesse em adaptar o processo à sua pequena casa de edição, que ainda mantinha à época, era reduzido, uma vez que preferia a qualidade da litografia e da fotogravura. Aliás, desta mesma fotografia, encontramos duas reproduções em fotogravura de elevada qualidade e uma prova em carvão que é igualmente rica em detalhe e tonalidade. Quanto à imagem em si, pouco se sabe. Há uma nota, no verso de uma das fotogravuras, que refere ser de um conjunto de uma viagem que terá feito de barco num périplo por umas ilhas do atlântico (sic). Num dos cadernos (4), onde descreve os testes, diz que “procurei uma imagem que servisse para experimentar a impressão a cores. Por mero acaso encontrei uma caixa com os negativos que tinha da viagem a bordo do … [o nome está riscado e é ilegível] pelo atlântico. Numa das ilhas parámos e subimos a um ponto muito alto, acima das nuvens. Encontrei essa rocha contra um fundo de névoa e resolvi fotografar. Nunca percebi porquê. Talvez a resposta a encontre agora nos resultados”. E o resultado está à vista, nesta prova feita a partir de finas camadas de tinta, com marcas do pincel a levar a cor ao papel, o rochedo verde, o céu meio amarelado. Não sabemos que cores originalmente teriam sido utilizadas. Estes processos, até devido à má manipulação química, são delicados e as cores não são de todo permanentes, o que contrasta com as fotogravuras, por exemplo. De um ponto de vista meramente fotográfico, apostaria nessas impressões como a resposta à decisão de fazer esta fotografia. De um ponto de vista plástico e tendo em conta o percurso de Slavick, esta prova encontrada no seu arquivo, serve de base a mais um conjunto de experiências que formam o pano de fundo desta atmosfera e desejo de modernidade que atravessa a sua obra. Como escreve mais à frente no mesmo caderno: a paisagem, sempre a paisagem; o meu espaço de liberdade.

  1. SLA/LS/MISC/N26-E-012
  2. SLA/LS/MISC/N27-E-001
  3. Processo fotográfico cromático, patenteado pelos irmãos Lumière, em França, em 1903 e que foi comercializado a partir de 1907 até aos anos 30. Durante estes anos, foi o principal processo fotográfico colorido a ser utilizado.
  4. SLA/LS/MISC/N26-E-013