SLA/LS/VIS/EXP-CO/18-002
Continuando pelos anos americanos de Slavick, entramos hoje no capítulo da sua ligação a alguns pintores com quem se cruzou, estabeleceu relações de amizade e cumplicidade de trabalho. Um deles foi Charles Sheeler (1883–1965), artista versátil que se movia entre a pintura, a fotografia, o desenho e a gravura e onde a fusão destas técnicas atravessava a sua produção. Não raras vezes partiu da fotografia para a pintura, sendo o caso mais conhecido o de Upper Deck, de 1929, baseada numa fotografia feita um ano antes para um álbum sobre o S.S. Majestic por encomenda dos seus donos, a White Star Line. Doze anos antes, Slavick frequentava o atelier de Sheeler e passava algum tempo na famosa casa-atelier em Doylestown, Pennsylvania, que este partilhava com o pintor e fotógrafo Morton Schamberg (1881 – 1918), um nome importante do modernismo americano, cedo desaparecido e um dos primeiros adotantes dos princípios do cubismo nos Estados Unidos. É nesta casa que Sheeler produz uma coleção de 12 fotografias sobre a arquitetura da casa, em 1917, numa altura em que Slavick estava presente (1). Falam extensivamente sobre o uso da geometria em Paul Strand (1890–1976), sobretudo a partir de uma fotografia em particular, Wall Street, de 1915 e que tinha impressionado ambos no modo como geometria, abstração e o dinamismo do espaço urbano se condensavam numa única imagem (2). Apesar do gosto de Slavick pela diluição de fronteiras entre a pintura e a fotografia, que cultivou ao longo da sua vida como temos vindo a mostrar, também se interessava por outro lado da fotografia que era o rigor com que o dispositivo fotográfico registava o visível e a ordem visual que lhe impunha. Era isso, afinal, que o tinha impressionado na fotografia de arquitetura de final de oitocentos e agora no modernismo inédito de Strand e Wall Street era um exemplo disso mesmo (3). O artifício, a manipulação, para Slavick, era fácil; difícil era encontrar situações em que fosse possível interpretar o espaço e os objetos diretamente através da câmara com o mesmo olhar analítico de Cézanne, Picasso ou Braque (o seu preferido). O dilema era simples: como quebrar o espaço renascentista de representação através de um dispositivo que legitima essa mesma construção espacial? Investigando, investindo e falhando, dizia Slavick a Sheeler, repetindo a ladainha como um mantra. Este interesse na geometria e nas estruturas geométricas, constitui um núcleo interessante no arquivo de Slavick. Numa lógica próxima do cubismo, já tinha experimentado múltiplos pontos de vista através da utilização de espelhos e reflexos. Já conhecia da pintura clássica esse efeito do papel do espelho na composição. Agora tratava-se de limpar as estruturas geométricas, retirá-las do contexto, torná-las abstratas e deixá-las modelar e construir o espaço, reduzir a complexidade à sua essência. A fotografia que serve de motivo a esta nota, é retirada de uma destas séries. É uma prova de teste em papel, muito riscada e estragada por corrosão química e humidade (o que teria agradado a Slavick). Nas costas, a aprece a seguinte inscrição a lápis: “não me lembro onde foi; apenas que foi em NY, quando andava com o Sheeler a fotografar geometrias abstratas. Ao contrário das dele, aqui não há nada”. Mais tarde, acrescentou a tinta: “há desenho”, com um ponto de interrogação que foi cortado num tempo posterior.
- É uma fotografia desta série, que em 1932, Sheeler passa a desenho: The Open Door, hoje no Metropolitan museum em Nova Iorque (inv. 1992.24.7)
- Slavick tinha conhecido Strand através de Stieglitz e gabava-se de ter sido ele a apresentar Sheeler a Stieglitz. Conhecendo a propensão de Slavick para o exagero, é muito pouco credível que tenha sido ele a apresentar os dois. Não há fontes da época que o confirmem. Certo é que Stieglitz vai ter uma influência muito grande em Sheeler até se terem zangado, em 1923, por causa de uma crítica menos simpática que Sheeler faz a uma sua série dizendo que abusava das platinotipias. Dada a influência que Stieglitz tinha no mundo da fotografia, a zanga é uma das razões mais comumente aceites para o facto de Sheeler ter desaparecido do mundo da fotografia artística e ter-se dedicado, sobretudo, à fotografia industrial.
- Lembrando-se do interesse de Slavick por esta fotografia, Sheeler escreve-lhe em 1921 a contar que tinha acabado de fazer um filme com Strand, Manhatta, e que tinha ido a Wall Street, ao mesmo local, mesmo ponto de vista de Strand, para filmar uma cena do filme. Quando o visse, esperava que ele ficasse impressionado com aquela “fotografia em movimento”.