SLA/LS/VIS/EXP-C031/P19
O regresso à Europa, após os anos da guerra, não foi fácil para Slavick. Andou pelo eixo Praga-Bruxelas-Paris, a recolher coisas que tinha espalhadas e a tentar encontrar um lugar mais permanente. Na realidade, o seu lado nómada levou a melhor e acabou por passar alguns anos em constantes viagens. As atividades comerciais ligadas à gravura e às reproduções reduziram e dedicou-se mais ao lado experimental tentando cruzar a fotografia com outras técnicas, maioritariamente o desenho e a pintura, como vinha, há muito, fazendo e que já tivemos oportunidade de explorar.
Slavick tinha-se cruzado muito brevemente com Edward Steichen (1879–1973) pela primeira vez em Paris, em 1902, à porta do atelier de Rodin, quando Steichen tinha ido fotografar o escultor. Depois encontraram-se por diversas vezes em Nova Iorque, através de Stieglitz, na 291 (1), até 1917 quando Steichen é incorporado e acompanha o Corpo Expedicionário Americano para França. No final da guerra, Slavick toma contacto com o álbum onde Steichen compilou uma série de fotografias aéreas que tinha recolhido durante a guerra nas missões em que esteve envolvido (2). Descontextualizando as imagens do seu contexto de produção, o lado puramente abstrato das imagens fascina Slavick. As paisagens planas, transformadas em tapetes, captadas de um ponto de vista vertical a alta altitude, são agora como um mapa difícil de descodificar por um olhar não treinado. Assim, apenas podem ser entendidas pelo seu lado estrutural onde as configurações visuais ultrapassam a realidade que lhes deu origem, como se olhássemos um terreno desconhecido, uma paisagem estranha e inabitável mesmo que saibamos a que ponto da terra correspondem (3).
Este alheamento da realidade não era estranho a Slavick que notou com algum espanto a simetria com alguma da sua produção nessa época. Mas era uma simetria de opostos, inversa, como num espelho com dois pontos de vista diferentes, como se o reflexo fosse o contrário do objeto (4). Nesses anos em que Steichen olhava a paisagem de um ponto de vista alto, Slavick olhava, ainda que na vertical, de um ponto de vista baixo. Olhava através de um microscópio minúsculos fragmentos do que apanhava à sua volta. Este mergulhar no interior da realidade numa escala impossível de captar a olho nu, revelava novas e estranhas paisagens que nos transformavam a perceção dessa realidade. O efeito era quase o mesmo. A abstração pela distância, do infinitamente grande ao infinitamente pequeno, dentro dos limites que nos era possível atingir. Afastamento e aproximação, como o movimento de uma lente a tentar focar um plano preciso no espaço (5). Em termos do afastamento, Slavick dizia que haveria um limite para essa abstração. Se nos afastássemos demais, haveria um momento em que deixaríamos de ver as configurações do terreno e das construções humanas e perderíamos essa visão de mapa. No limite, veríamos um ponto no espaço que seria a terra inteira (algo que o futuro veio a confirmar). Pelo contrário, nunca haveria perto demais e seria sempre possível encontrar novas configurações dentro de configurações como o efeito que se obtém do reflexo de um espelho noutro espelho, sempre a uma nova escala.
A imagem que acompanha esta nota, estava dentro de um caderno com anotações de observações ao microscópio. Slavick construiu uma série de adaptadores para poder fotografar diretamente através do dispositivo ótico. Algumas das imagens estão coloridas à mão com uma aguada leve sobre o papel, como é o caso desta. Falta um bocado na parte superior. Provavelmente terá estado colada noutro caderno, já que há algumas que estão fixadas com cola nesse sítio. Ao contrário de outras em que descreve a que correspondem, esta não tem qualquer referência, apenas uma inscrição a lápis no verso: não me lembro do que é, mas não é importante. Imaginar é suficiente.
- 291 era o nome por que era conhecia famosa galeria de Stieglitz, Little Galleries of the Photo-Secession, que ficava no número 291 da 5ªAvenida e que esteve ativa entre 1905 e 1917. Não era apenas uma galeria de fotografia e foi um dos primeiros locais a mostrar a arte europeia que se fazia na época.
- Steichen comandou a divisão de fotografia do exército americano na europa, com especial ênfase na fotografia aérea, onde desenvolveu uma série de técnicas, regras e práticas que se tornaram uniformes às tropas aliadas. O álbum, com 83 fotografias, coladas em cartões do serviço de fotografia do exército e com legendas manuscritas pelo próprio Steichen, está atualmente na coleção do Art Institute of Chicago. Não há nenhuma evidência de que as fotografias sejam da sua autoria, nem ele a reclamou.
- Um século mais tarde, vale a pena olhar algumas das séries aéreas do fotógrafo contemporâneo David Maisel, apesar de não as conseguirmos desligar de toda uma história da fotografia aérea que, entretanto, solidamente se construiu.
- SLA/LS/MISC/N40-F-012
- idem