SLA/LS/VIS-1913-B014
Em 1912, Slavick viajava com frequência para Paris onde mantém contactos com a Sociedade dos Artistas Independentes (terá tido algum papel na organização da exposição Les Indépendants no ano anterior em Bruxelas). Numa das deslocações conhece Georges Braque (1882-1963), de quem seguia timidamente o trabalho e com quem já se tinha cruzado em diversas ocasiões, embora nunca tenham chegado à fala. Torna-se visita do seu atelier recente no número 5 do impasse Guelma em Montmartre onde assiste ao desenrolar do final do cubismo analítico e à passagem de Braque ao cubismo sintético. Estes encontros são a possibilidade de aprofundar o conhecimento sobre a obra de Braque, que preferia à de Picasso. É aqui que toma contacto com duas obras específicas que irá estudar com muito detalhe. São elas Broc et violon (1910-11) e Clarinette et bouteille de rhum sur une cheminée (1911)1. O que atrai Slavick nestas telas? Sobretudo uma questão relacionada com a representação do espaço perspético e a sua fragmentação. Se a fotografia, através do seu dispositivo técnico, tinha uma tendência natural para a representação segundo as regras e leis da perspetiva renascentista, a ele interessavam-lhe os modos como a fotografia podia ultrapassar essa imposição ou predisposição. Daí toda a série de experiências que já tinha feito recorrendo a métodos, técnicas e procedimentos alternativos na obtenção de imagens que não dependiam da câmara fotográfica. No fundo, tratava-se da criação de um espaço alternativo sem referência direta a um espaço real, material, onde os objetos existiam. A pintura permitia-lhe essa liberdade e ele procurava o mesmo na fotografia. Daí a utilização de técnicas de sobreposição de diferentes pontos de vista sobre a mesma cena que lhe permitiam libertar-se de um ponto de vista central que é caro às regras e bom uso das leis da perspetiva. Nestas telas, o espaço e os objetos são desconstruídos a um ponto onde se perdem as referências de tridimensionalidade e ortogonalidade do espaço. Braque utiliza um dispositivo de trompe-l’oeil para ancorar o olhar do espetador: um simples prego espetado no que passa a ser uma parede pela projeção de uma sombra que, ao seguir as regras da representação ordinária, cria um plano e uma orientação da luz. A simplicidade da solução e a subtileza do detalhe passam a ser motivo de reflexão nos seus cadernos. Num deles, datado de 1913, encontra-se a fotografia que ilustra esta nota. A lápis, no verso, tem escrito “hommage à Braque”. Juntando algumas entradas escritas, conseguimos reconstruir o processo que levou à sua criação. Slavick refere que um dia, ao mudar de lugar um quadro que tinha na parede de sua casa, reparou no prego que o segurava. A sombra era ténue e pensou que se fosse forte seria como um dos pregos de Braque. Resolveu fotografar a parede. Não apena esta. Temos registos de outras paredes fotografadas na mesma altura e muitas outras fotografadas mais tarde. Como a parede estava vazia, faltava-lhe o lado da representação em volume. Apesar de ter feito experiências que não chegaram até nós, nenhuma deve ter resultado. Contudo, deste exemplar, escreve que foi buscar um negativo de vidro, que tinha parte de uma copa de árvore e no qual a emulsão tinha sido destruída por acidente químico no laboratório. Guardou-o por mera curiosidade e quando o sobrepôs ao negativo da parede, percebeu que o efeito criava uma situação ambígua entre uma imagem que apenas se subentendia (a única parte focada e nítida da imagem era mesmo a mancha de destruição) e o plano da parede de onde saía um prego solitário. Uma citação de Braque e uma memória dos tempos de Paris no atelier em Montmartre.
1 Durante a liquidação da coleção de Daniel-Henry Kahnweiler, que teve lugar em quatro vendas entre 1921 e 1923, Clarinette et bouteille de rhum sur une cheminée, acaba nas mãos de Le Corbusier. Mais tarde vai passar por uma coleção portuguesa e será vendida em Londres em dezembro de1974. Hoje integra a coleção da Tate. Broc et Violon, fazem parte da coleção do Kunstmuseum, em Basileia.