A paisagem é um tema recorrente na produção de Lazar Slavick. Apesar de mais intensa nos seus anos de viajante, a temática surge abundantemente ao longo de toda a sua vida. É um interesse que ultrapassa a fotografia, já que podemos encontrar descrições escritas nos seus cadernos de viagem, com notas sobre a diversidade da paisagem, muitas referências à pintura e mesmo reproduções que podemos encontrar na sua coleção (1). Da paisagem cenário à paisagem como sujeito, o poder metafórico da paisagem era a característica que mais atraía Slavick. Em Madrid, no Prado, tinha tropeçado numa pequena pintura de Velázquez, esquecida nas reservas (onde continuou por muitos anos) e que para ele passou a ser o momento de viragem entre estas duas perspetivas. Era como se o pintor tivesse feito uma fotografia rápida de uma não-cena num canto de um jardim (2). Nada de extraordinário, ou culto, nada de cenas históricas ou bíblicas. Apenas o jardim e duas figuras anónimas indiferentes a tudo o resto e numa escala reduzida, intimista, que convoca a proximidade do espectador para a sua fruição. Admiraria mais tarde a dissolução da paisagem nos impressionistas, os diversos cliché-verre de Corot (técnica que experimenta em abundância) e a dissecação analítica da paisagem no cubismo (não descurando as fotografias que o próprio Picasso faz de estudo para as suas paisagens em Horta de Sant Joan no ano de 1909). Na fotografia, de Francis Frith (1822-1898) aos fotógrafos da Mission Héliographique, dos paisagistas ingleses a Maxime Du Camp (1822-1894) (3), é sobretudo a paisagem nas fotografias dos grandes viajantes o que mais lhe desperta a atenção, a maior parte das vezes não pela grandiosidade da cena representada, mas pela poética do fotografado.
A imagem que acompanha esta nota pode, com alguma probabilidade, ter sido feita em Portugal. Está datada de 1908 e nesse ano Slavick passou por aqui duas vezes, sendo que numa ocasião foi até ao sul pela faixa costeira. Há mais provas desta fotografia no arquivo, mas a escolha por este exemplar, apesar de estar em mau estado de conservação, recaiu no pormenor da escrita sobre a superfície da imagem, como se fosse uma legenda, um apontador para o objeto fotografado. L’Atlantique está escrito a tinta (da china?) com caneta de aparo. Não é a única fotografia em que a escrita se sobrepõe à imagem como se a representação não fosse suficiente ou como se o fotografado convocasse a palavra. Uma simples palavra que, aliada à representação, evoca o espaço imenso que separa este lado da Europa do lado de lá. Curiosamente esta fotografia, ou melhor este processo, parece ser a fonte de inspiração direta para um conjunto de imagens produzidas quarenta anos mais tarde (4) e que vieram confirmar a sua descendência.
1. Numa carta, não datada, de Auguste-Rosalie Bisson (1814 – 1876), em que agradece a generosidade com que foi recebido na sua casa, faz referência às reproduções de duas pinturas de Caspar David Friedrich (1774-1840) que Slavick tinha na parede, Das Eismeer (1823/24) e Der Wanderer über dem Nebelmeer (1818) ao lado de uma das famosas fotografias de Auguste-Rosalie quando da ascensão do Monte Branco em 1860. Foram estas imagens, aliás, que levaram Slavick a procurá-lo, duas décadas mais tarde, em Paris, para pedir conselhos técnicos relacionados com uma sua viagem às regiões geladas do Ártico [SLA/LS/CORR/ND-FR-072].
2. Diego Velázquez (1599-1660), Vista del jardín de la Villa Medici en Roma c.1630 [Número de inventário: P001210 (Catálogo Museo del Prado, 1872-1907. Núm. 1106)]
3. Slavick chega a frequentar a casa de Maxime Du Camp em Baden, para onde este se costumava retirar e onde acaba por morrer. Interessava-lhe, tanto quanto a viagem em si na companhia de Flaubert, a documentação da paisagem natural e cultural do norte de África que ele tinha feito (ver nota anterior sobre o interesse na documentação das obras de arte)
4. Ver Feio, Francisco, in catálogo de Sinfonia para um homem só, Coimbra, 2020: Trata-se de um conjunto 6 imagens fac-similadas, encontradas no arquivo da Academia Real de Belas-Artes de Antuérpia, atribuídas a um obscuro artista que assinava F.S. e que terá emigrado para os EUA a meio da década de 50 de novecentos. Sabe-se que seria oriundo da europa central, tendo fixado residência em Antuérpia depois de um périplo pela europa do norte nos anos que se seguiram ao final da guerra. Na realidade, veremos mais tarde, tudo indica que as iniciais identificam o nome de um filho de Slavick, a que voltaremos mais tarde.