Número 0

10 de Abril de 2021

Notas do Arquivo

Francisco Feio
SLA/LS/MISC/N1-I-001


Notas do arquivo é o título genérico deste conjunto de breves notas extraídas do arquivo da família Slavick cujo núcleo principal se organiza em torno da figura de Lazar Slavick, uma personalidade singular, ainda quase desconhecida, oriunda da Europa central e cuja obra se estende num arco temporal que começa perto dos anos noventa de oitocentos e vai atravessar o século até perto dos anos 30, quando desaparece sem deixar rasto. É um homem ligado aos círculos aristocráticos e culturais da Europa do seu tempo e que tem interesses diversos como a arqueologia, as ciências naturais, a literatura e as artes, com especial incidência na fotografia tendo sido, neste domínio, uma figura inovadora dotada de um espírito crítico e criativo frequentemente avançado para a época. A história da descoberta deste arquivo começa por acaso, em Bruxelas, há cerca de 12 anos, mais propriamente num pequeno alfarrabista da Galerie Bortier onde é possível encontrar, com frequência, imagens raras, pequenas preciosidades visuais que vão surgindo à medida que o tempo vai tratando de trazer à luz o recheio de casas seculares cujos ocupantes vão desaparecendo sem deixar qualquer descendência ou pelo menos uma que se preocupe em salvaguardar as inúmeras memórias que albergam.

A imagem (1) que ilustra esta primeira nota vem desse acaso inicial. Faz parte de um lote de meia dúzia de fotografias em mau estado que estavam dentro de um caderno, com anotações em francês, na sua maioria relacionadas com descrições de espécies animais e que tinha vindo misturado no espólio de um psiquiatra checo que se tinha estabelecido em Bruxelas no início dos anos 30 do século passado. O espólio tinha ficado com o filho e, na morte deste, tinha sido vendido a peso pelos donos do apartamento, muito pouco dados a estas coisas e que o queriam vago com celeridade. Para além do tema, percebia-se pela caligrafia que não poderia ser do mesmo autor dos inúmeros cadernos de notas sobre a mente que, a par de muitas cartas, constituíam a maior parte do espólio. Havia também um conjunto de gravuras e duas aguarelas sem qualquer interesse. Foi a existência de algumas referências escritas a Lisboa e a Portugal que serviram de impulso a ficar com o caderno.

Dias mais tarde, uma análise detalhada às fotografias, permitiu descobrir traços muito leves de lápis onde se pode ler lisabon-muzeum e que se presumiu ser uma identificação da proveniência das imagens, o que é corroborado pelas anotações que surgem no caderno sobre um conjunto de espécimes que teriam sido vistos em coleções naturalistas de Lisboa e Coimbra (tendo algumas destas imagens referentes a Coimbra sido já mostradas ao público). Colado pelo tempo, entre duas páginas do caderno, estava um pequeno bilhete com sinais de ter estado fechado a lacre que dizia, Mon cher Lazar Slavick, je vous attends le mois prochain à Lisbonne. Votre, C. (o resto do nome é ilegível). Havia igualmente uma morada incompleta em Praga (era apenas o nome de uma rua), outra em Paris, bem como uma referência a uma conferência que iria ter lugar na Société française de photographie. Feitas as contas, tinha um nome, um caderno, duas moradas, meia dúzia de fotografias em muito mau estado e uma reunião na SFP. Não era muito, mas foi o suficiente para dar início a uma viagem de descoberta que está longe de terminar.

(1) Trata-se, aparentemente, de uma fotografia feita em Lisboa numa coleção que, muito provavelmente, pertence ao conjunto de coleções que integram hoje o Museu Nacional de História Natural e da Ciência. O mau estado em que se encontra, não permite uma confrontação direta com a realidade.