Entre os Ossos

18 de Setembro de 2021

o corpo (e o) manifesto

Rosa Oliveira

I

o corpo dado à vida
a ela pertence
a vida entra pelo corpo dentro
empurra-o
por vezes quebra-se
sentados
de coração aberto
navegamos
nesse mar de caos
em que desaguámos
à nascença

da vida falo e falarei
— não conheço outra:
só esta floresta obscura
em que vogamos

II

pintava pessoas tão ínfimas
que não notam sequer
como são facilmente substituíveis
umas Macabéas para todo o serviço
e nenhum préstimo

passemos a outra cor
outra tinta outra voz outro desprezo
que é o mesmo pelo mundo fora
mas ainda mais prolongado
um desprezo que vai mais fundo e mais longe

agora era um desprezo faminto
de barriga cheia e olhos lacrimejantes
de satisfação consigo
desprezo de trazer no bolso
pronto a ser sacado e disparado sem tremer a mão

uma metáfora furtiva desliza com lágrima apensa