I
o corpo dado à vida
a ela pertence
a vida entra pelo corpo dentro
empurra-o
por vezes quebra-se
sentados
de coração aberto
navegamos
nesse mar de caos
em que desaguámos
à nascença
da vida falo e falarei
— não conheço outra:
só esta floresta obscura
em que vogamos
II
pintava pessoas tão ínfimas
que não notam sequer
como são facilmente substituíveis
umas Macabéas para todo o serviço
e nenhum préstimo
passemos a outra cor
outra tinta outra voz outro desprezo
que é o mesmo pelo mundo fora
mas ainda mais prolongado
um desprezo que vai mais fundo e mais longe
agora era um desprezo faminto
de barriga cheia e olhos lacrimejantes
de satisfação consigo
desprezo de trazer no bolso
pronto a ser sacado e disparado sem tremer a mão
uma metáfora furtiva desliza com lágrima apensa