Número 5

29 de Maio de 2021

CASA & JARDIM

O direito de não ver

M. SILVEIRA FERNANDES

Ainda não tínhamos lá voltado desde que recuperaram o Centro. Apreciámos a harmonia das correções, o chão liso em pedra da região, as janelas uniformizadas e alinhadas, a redução dos telhados à telha marselha, o uso de cores complementares nas portas de madeira. Foi uma intervenção bem programada que valorizou em muito as tradições populares, recriando a glória da sua vetustez. Mas esqueceram-se, as entidades responsáveis, de criar um canal que permita aos visitantes sair sem serem sujeitos às urbanizações desencontradas da periferia, às marquises, oficinas e todo o tipo de abarracamento a que as populações recorrem para fazer valer o seu direito ao trabalho e a uma habitação condigna, entre outros. Da forma como está, a requalificação arquitetou a beleza como uma fantasia carcerária, uma pena a que só se pode escapar de olhos fechados, tateando pelas vias não pedonalizadas em busca do caminho para o Campo circundante, uma tática que os mais elementares princípios de salvaguarda da segurança pessoal não recomendam. Tudo seria perfeito se tivessem incluído no caderno de encargos algo tão simples, mas tantas vezes desprezado, como é o direito de não ver.