O homem bidimensional percorre o mundo em eventos nos quais exibe essa sua qualidade. Já foi apresentado a um público atónito num circo em Adelaide, na Austrália do Sul, a um auditório afónico num congresso de parapsicólogos em São Paulo, no Brasil, a uma plateia maravilhada num aquário com golfinhos amestrados em Marselha, França, a uma assistência embasbacada num certame de artesanato em Nairóbi, Quénia. Há poucos países do mundo onde o homem bidimensional não tenha estado, embora só em poucos tenha conhecido mais que o caminho entre o aeroporto e a sua própria exposição.
O homem bidimensional começa a virar-se e umas pessoas começam a vê-lo ficar cada vez mais fino, até que desaparece, ao passo que outras começam a vê-lo ficar cada vez mais espesso, até que aparece, de frente, despido mas pouco esplendoroso. Há pessoas que se vão movendo lentamente para acompanhar a sua rotação, umas dando pequenos passos para o lado, outras simplesmente inclinando a cabeça. O espanto é sempre generalizado, o divertimento garantido. Também há quem tente tocar no homem bidimensional, mas os seguranças contratados pela empresa que detém os seus direitos, e que o acompanham a todas as horas do dia, impedem que tal aconteça.
O homem bidimensional é valioso porque só existe, ou alguma vez existiu, um homem bidimensional. Há quem peça empréstimos bancários para pagar um bilhete para uma apresentação ao vivo. Também já o levaram à televisão, mas ninguém acreditou que não se tratasse de um efeito visual e o patrocinador, uma importante marca de vernizes para madeira, sentiu-se defraudado. Desde esse desaire que o homem bidimensional só é apresentado perante um público vivo em local fechado (o vento provoca-lhe vertigens) e com a iluminação apropriada ao usufruto da sua peculiaridade.
O homem bidimensional vai ser apresentado hoje à noite num evento privado que decorrerá num dos restaurantes mais caros do mundo, no último andar de um edifício em Manhattan, Nova Iorque. Em dias normais, tem de se fazer uma reserva com mais de quatro anos de antecedência para aceder a um menu dégustation de oitocentos e sessenta dólares. Mas esta noite vão lá estar algumas das pessoas mais ricas e poderosas do mundo e o aparato policial que se prepara em torno do edifício é análogo ao de uma cimeira entre chefes de estado e de governo. A especialidade do restaurante são as alternativas às restrições alimentares, contudo, o homem bidimensional não poderá comer uma folha que seja porque, se o fizer, deixará de o ser.