Os relógios ainda não foram atrasados para a hora de Inverno e Manuel Augusto já anda a contar os dias para a apanha da azeitona. Só depois do estio, ali perto do Dia de Todos os Santos, será tempo de começar a colher o olival. Mas este homem, de 83 anos, anda encantado com as azeitonas que já pintam nas árvores espaçadas a perder de vista. Depois de um ano de contrassafra, com quebra acentuada da produção, será tempo de muita azeitona.
Neste pedaço de terra que ele próprio plantou já lá vão mais de 30 anos, as oliveiras serão sempre baixas, de porte ligeiramente atarracado – como aquelas que Saramago escreveu n’“As pequenas Memórias”.
As azeitonas colhem-se mais facilmente, mas a safra não deixa de ser trabalhosa e demorada.
Manuel Augusto assume sempre a tarefa com entusiamo: foi assim quando, há três anos, um problema de saúde quase lhe levou as forças e o ânimo. Não se rendeu: levou um velho banco de madeira para o olival e resistiu até ao momento em que a tarefa ficou terminada.
“Custa-me ver a azeitona a apodrecer no chão. Na altura pedi aos meus filhos que, caso a doença vencesse, não abandonassem o olival”, lembra. Aquelas oliveiras são, também por isso, símbolo de resiliência, de vontade de renascer a cada provação.
Neste lugar, onde nem a cidade se avista de longe, há menos quem queira amanhar as oliveiras, e o rendimento não paga os dias que são necessários para as apanhar.
A família foi abandonando a aldeia, mas nos primeiros dias de novembro, a filha, que estuda em Coimbra, virá ajudar na colheita. A ela juntar-se-á a desenvoltura da mulher, de 81 anos, que já se habituou a andar quase sempre vergada a ajeitar os panais debaixo das árvores. Foi graças a ela que Manuel conheceu esta terra onde a carqueja e a caruma molhadas denunciam as chuvas e o frio no doce alvoroço de um dia por cumprir.
Os relógios ainda obedecem à hora de Verão. Mas até novembro, este homem vai repetir a visita ao olival para se encantar com as azeitonas que já pintam nas árvores. Enquanto a penumbra ainda baloiça sobre a cidade dormente, um homem ama um pedaço de terra. Não o abandonará.
Fotografia de Andreia M. Silva