Número 8

10 de Julho de 2021

CORPO, BELEZA E SAÚDE

O tempo das máquinas

RITA SERRA

Vivemos no tempo das máquinas. E esse tempo não é do ferro, do vapor e de todos os cheiros de enxofre, de apitos e gordos parafusos. Não é o tempo do metal e da eletricidade, mas sim o tempo do digital.

O que é, afinal, uma máquina digital?

Uma máquina sem corpo?

Uma máquina que não se apalpa, não é nem sólida, nem líquida, nem gasosa.

Não são as máquinas do Jeunet e Caro.

Não são as máquinas da cidade das crianças perdidas.

Estas máquinas, tal como nós, pessoas de carne e osso, foram arrumadas.

Estas máquinas, que nos trituravam os ossos, estas máquinas do Chaplin nos Tempos Modernos, também elas desapareceram. Estas máquinas que nos faziam e desfaziam, que nos membravam e desmembravam.

Junto com o rádio Gaga, foram-se.

O que temos então?

Máquinas virtuais eletrónicas não elétricas. Redes sem fios. 5Gês que ninguém sabe onde estão. GGGGG. Pronto. Estão aqui.

Ser máquina hoje é ser um fragmento. Um pedaço de código. Uma instrução que só tem sentido quando é lida por outra numa sequência determinada. Um fragmento sem existência própria.

Um fragmento sem ler.

Talvez tenhamos de recuperar as máquinas.

Talvez tenhamos de recuperar a mecânica.

Talvez tenhamos de recuperar os óleos, os materiais, para descobrirmos a matéria e o sentido.

Talvez precisemos das máquinas para estender o nosso corpo.

Talvez o nosso corpo tenha de nascer novamente puxado a ferros.

Talvez o nosso corpo precise dos metais, dos minerais, dos cristais de fora, para existir ele mesmo, para sentir e ser sentido.