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Desse longe chegavam sinais que, mais do que marés, lembravam torrentes algo cavernosas e esqueléticas, a evocarem uma asa descarnada de libélula. Em memórias de entardeceres serenos, avisados pelo ladrar dos cães, era mesmo possível suspender a respiração de encontro a um sopro imaginado, capaz de lembrar as ramadas agitadas dum velho loureiro arqueado. Talvez fossem as oscilações das árvores a criar o vento e não o contrário… Talvez fosse apenas nosso o tempo. Mas, nesse caso, a que realidade nos referiríamos…? Afinal, o som do tempo estimulava-nos o pulsar cardíaco do incontido.
O fluido cronológico é certamente viscoso, a lembrar uma prega em caramelo cuja definição se elimina em cada volta sobre si mesma. Dele chegam-nos sinais estelares que são tão incertos quanto disformes. E que dizer dos flancos, dos lados obscuros dum horizonte descaído, numa contradição entre as reterências cartesianas e o contorno plástico dos feixes luminosos? Se dobrarmos a esquina do tempo, veremos o passado ou o futuro? Podemos adivinhar o presente olhando para o futuro? Podemos rodear o futuro, espreitando a esquina do passado?
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in O Tempo de Pedra, pag. 13, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2008
Rui Pena dos Reis, Tundavala, Angola