Até ao Osso

26 de Agosto de 2023

Olá

NUNO PRÍNCIPE

Sou o Nuno Príncipe. Paixão, intensidade, adrenalina. Três palavras que também me definem e acompanham desde sempre.

Nasci no Porto no ano de 1979. Naturalmente que sou portista, mas isto não é tema deste número.

Comecei por aprender a andar e a nadar, cedo, em ensaio para um futuro que não se adivinhava. Passei pela alta competição da natação dos 5 aos 11 anos e não me interessei por uma possível carreira em escalões juvenis de futebol de um “grande”, do grande Porto.

Aos 11 anos fui bodyboarder e conheci várias praias da nossa costa, quer em actividades de freesurf, quer em competições de torneios regionais ou etapas do nacional.

Aos 13 anos conheci o rugby, aquilo que considero o “meu” desporto. Foi mais do que paixão. Foi lifestyle durante uns anos, com muitas vitórias e derrotas em campeonatos nacionais e internacionais, idas à Seleção Nacional e participação em diferentes torneios espalhados por este mundo. Acima de tudo, foi uma escola para a vida e local de construção de inúmeras amizades que persistem até hoje.

Entretanto cruzei-me com o jiu-jitsu brasileiro, que se revelou nova paixão por mais de uma década, tendo sido um dos primeiros lutadores no Porto.

No meio deste percurso tive vários “flirts” desportivos, sendo que um se tornou simbiótico com a minha vida pessoal, profissional e desportiva. Tirei um curso de iniciação ao mergulho e anos mais tarde tornei-me “advanced diver”, após vários mergulhos feitos nos diferentes mares e oceanos deste planeta.

Muitas histórias e aventuras por contar ao longo deste trajecto, algumas verdadeiramente hilariantes… A título de exemplo: após uma semana num “safari de mergulho” no Mar Vermelho, chegado a terra, mareado, perdi (talvez tenha sido roubado…) toda a minha identificação pessoal, dinheiro, cartões e telemóvel. Tinha havido um atentado terrorista recente e o país em questão estava em “alerta laranja”, com as forças policiais muito activas e inflexíveis. Foi inútil o tempo perdido em esquadras policiais a tentar explicar o que se tinha passado… Tive de iniciar, com um cartão de crédito emprestado, uma “operação de auto-resgate” de uma cidade costeira no Mar Vermelho, a 1200 km de uma capital com aeroporto internacional e embaixada portuguesa, para aquisição de um passaporte provisório e poder regressar ao “nosso” Portugal. Pelo meio, atravessei um deserto, de noite e sob escolta policial, porque havia diferendos políticos com algumas tribos do deserto que se manifestavam raptando ou assaltando turistas. Sobrevivi e saí “em grande” desse país, com o motorista do Sr. Embaixador a deixar-me no aeroporto, numa limousine, algo que contrastava muito com o aspecto físico em que me encontrava e com as últimas 48h de viagem pelo deserto, quase sem dormir, enxertadas em 8 dias consecutivos no mar, em aventuras de mergulho.

Este percurso teve caracter também formativo e complementar para o meu verdadeiro backbone: o estudo, a ciência e a medicina.

Por convicção, cheguei à Medicina Intensiva já em segunda especialidade médica. À data, a única forma de se chegar ao Intensivismo.

A Medicina Intensiva é a especialidade que lida com os doentes que padecem de doença crítica, declarada ou iminente.

Os doentes chegam à Medicina Intensiva oriundos das salas de emergência, dos serviços de urgência, dos sistemas de emergência intra-hospitalares, dos blocos operatórios e das enfermarias de quaisquer especialidades, médica ou cirúrgica, visto que, em qualquer um destes locais, a qualquer momento, de forma programada ou inesperada, a agressividade necessário do tratamento, a intercorrência, a agudização ou a complicação ameaçadora da vida, podem surgir. 

É nos Serviços de Medicina Intensiva que se abordam os doentes nas fases críticas das doenças, que podem durar horas, dias ou semanas, sendo incomum a sua duração contabilizada em meses.

É um ecossistema muito especial de trabalho em comparação com a restante realidade hospitalar.

É um local tecnológico, com recursos humanos (médicos, enfermeiros, farmacêuticos, nutricionistas, fisioterapeutas, …) altamente diferenciados, que trabalham em equipa para prestar cuidados a doentes fisiologicamente complexos e fragilizados.

É um local onde se recorre a medicamentos, equipamentos e intervenções técnicas igualmente complexas e diferenciadas, que servem para diagnosticar, suportar as disfunções orgânicas, tratar e reverter, da forma mais segura e rápida possível, as doenças que têm a possibilidade de terem um “percurso reversível” …

É um local tenso e relaxado de trabalho, onde se deseja que todas as intervenções sejam programadas, mas onde se está sempre preparado para o inesperado, a qualquer hora do dia ou da noite, em dias de semana ou de fim de semana.

É um local em que as intervenções adequadas, no momento certo, ajudam os doentes e salvam vidas. E qualquer coisa fora disto pode produzir outros resultados.

É um local de grande interacção entre profissionais de saúde, doentes e famílias.

É um local em que se trabalha, no imediato, para a sobrevida dos doentes, tendo no horizonte não apenas este resultado, mas também a forma como os doentes sobrevivem, introduzindo aqui a dimensão, ainda que subjectiva, da “qualidade de vida”.

É local de alguns “milagres” e em simultâneo, um local onde a morte, o fim de vida, a limitação de cuidados e outras questões éticas, estão presentes e se fazem sentir a cada minuto.

No desporto e na medicina, uma opção de vida definida pelo desafio em explorar os “limites” de onde me encontro, sejam os meus, sejam os do extremo da deterioração fisiológica das doenças.