Destrossos

19 de Março de 2021

Pulsa o coração por um Mundo Novo

PAULO JORGE LUCAS

Pulsa o coração por um Mundo Novo, Admirável na medida em que for governado por valores eleitos e partilhados, não por autómatos mas por criadores de cultura, conscientes da sua artificialidade em constante aperfeiçoamento.

Se o algorítmo aponta para aquilo que interessa, para o que é bom, para o que toda a gente diz e até para aquilo que estou sempre a dizer, a procurar ou a recusar, o Coração, como a formiga que no carreiro estranha, diz: não vou por aí.

Para que bate afinal o coração, aquele órgão que eu não consigo parar, ou suspender?

Nem Hipócrates e seus humores, Galeno, e outros Doutores dos segredos da alma destronaram o coração do governo do mundo. Ele resistiu às ciências médicas e à metafísica de todos os tempos, pois foi investido desse poder pela cultura. Sobrecarregado com todos os estados de alma, senhor da volição, com ele lutam os instintos (trieb) nele a consciência perde o pé, e tem razões que a razão desconhece. Lateja por todo o corpo às ordens vindas de cima e respetiva extensão rabuda, onde nascem e morrem os arrepios e passam as diretas ordens do master, o cérebro – provavelmente o único orgão que já adquiriu o estatuto de não pertencer totalmente ao ser, por força da metafísica pós analítica que refere que “o cérebro percebeu, o cérebro disse-me para fazer isto ou aquilo”. Mas o coração está-se a borrifar para tudo isso; ele veste-se de mulher amada, sobe à boca quando é sincero, anda na boca do stressado, tem razões que a razão desconhece e nunca é conhecido pela cara de alguém.

Pulsa por um Mundo Novo e quer ser feliz, pôrra! (como clamou o Zé Mário). Comanda os sonhos aos 20 anos, cresce quando os realiza e aguenta como burro de carga os revezes, contra ventos e tempestades; reparte-se em quantas partes dele nasçam e se criem, alegra-se neles e com eles, para que voem e descubram o seu caminho. Renova-se quando volta a sonhar e se refaz em projeto. E o cérebro… essa parte do todo, indissociavelmente silenciosa, temida pelos poetas, caixa preta blindada a que só acede o coração fundindo-se em pessoa, segue reduzido a complexo químico.  Que interessa o dentro e o fora, que entidade percebe e representa o mundo, cria sentido e anula o caos em redor e equilibra o organismo? Mais que adaptar-se cria e descobre sentidos e novos rumos, querendo, sempre e só coração, basta.