Número 18

22 de Janeiro de 2022

POESIA

Quando me sentei na cadeira

Daniel Cruz

Quando me sentei na cadeira

com as mãos sujas de tinta

achei que afinal tinha terminado

de escrever o meu segundo corpo

e o pendurado num poste branco

como exemplo de justiça

parecia que eu tinha matado alguém

bom demais para me acompanhar

enquanto eu tinha ódio

da polícia, da milícia

e do crente do meu bairro

Quando me sentei na cadeira

com as mãos sujas de tinta

pensei que então podia dar corda

numa bomba-relógio

e cancelar aquele mar português

os muros de Guantánamo

a frota baleeira japonesa

ou quem sabe até o deus vingativo

do velho testamento

porque no fundo

– e que a verdade seja dita

não foi o meu corpo

o fuzilado no front

ou em frente à escola

Quando me sentei na cadeira

com as mãos sujas de tinta, entenda,

nem vermelha era a cor da minha caneta.