Quando me sentei na cadeira
com as mãos sujas de tinta
achei que afinal tinha terminado
de escrever o meu segundo corpo
e o pendurado num poste branco
como exemplo de justiça
parecia que eu tinha matado alguém
bom demais para me acompanhar
enquanto eu tinha ódio
da polícia, da milícia
e do crente do meu bairro
Quando me sentei na cadeira
com as mãos sujas de tinta
pensei que então podia dar corda
numa bomba-relógio
e cancelar aquele mar português
os muros de Guantánamo
a frota baleeira japonesa
ou quem sabe até o deus vingativo
do velho testamento
porque no fundo
– e que a verdade seja dita
não foi o meu corpo
o fuzilado no front
ou em frente à escola
Quando me sentei na cadeira
com as mãos sujas de tinta, entenda,
nem vermelha era a cor da minha caneta.