Número 43

14 de Setembro de 2024

NÃO ABRIR

Retrato do artista enquanto chove

SEBASTIÃO CASANOVA


O capitão Potemquim

projekta-se…!

na sombra

farta do próprio,

individualismo.


Tripulando recorda,

a embarcação (alugada),

com saudade

da sonoridade.


Palavras em espanhol as ouvia, onde

quer que fosse, em qualquer lugar:


Um bar.

Um aeroporto no Porto.

O hall de um prédio em Alvalade.


Entravam pela janela, na corrente de ar:



Entonces ¿cuántos son?”

No lo sé mamá…


Sua mãe lhe havia dito, certa

vez, antes de partir:

Esperava (MESMO) que ele se apaixonasse

novamente, muito urgentemente.


Para bem dele. Para bem dela.

Para bem de todos os que cá ficassem.


Pois ninguém, gosta de ver

um capitão, embaraçado,

numa pobre embarcação sem beira

nem eira a viver,

do ouro de sua mãe

tendo ideias e outras coisas que, ninguém

sabe dizer muito bem.


No miasma da contradição:

muitos “ses…”; muitos “quandos…”

de vez em quando, se tanto,

de tanto em tanto tempo.


Capitão era de vestir mui bem,

frota de fatos feitos, comprados

por sua mãe, gravatas

de seda, nácar, mostarda

pálida e pinça dourada

formato de chave sextavada, embora

não pudesse abrir praticamente nada.


“¡Mira mamá, un zorro!”

“¡No lo toques María!”


Pobre pequena, chorava, no hall de entrada

Havia de ter caído ou coisa parecida.


E como cair, pode ser

por vezes, edificante!


Do ponto de vista do edifício,

que desbaba.

Ressurgimento

que desaba.

Reaparecimento

abismal do precipício.


E nas águas paradas, brumas,

onde navega Capitão no seu “Paradigma”.


A Norte salvará a vida.

Ou nem tanto, pois, por vezes,

dava a sensação de remar com rumo.

Recordava, recordava sem adormecer,

por vezes pintava para tornar as memórias mais vívidas, não?


Uma pequena palavra

que todo o sentido muda, ou a falta dele bem

como o não sentido

e o já não sentir há muito,

tempo, há tanto.


Chuchando um dos seus

charutos habituais, de nome

patronímico papagaio guarnecido

no rótulo colorido e marca d’água

que rodopiava entre os molares,

onde eram já evidentes, sinais de icterícia.


Talvez fosse tudo uma ideia — pensava ele

— esta coisa de “ser”.

De que valia ser, a não ser

para si próprio, ou para quem

podia munir-se de todos

os ingredientes necessários,

para uma avaliação concisa, precisa, parecia

compenetrado em parecer.


Parecer apenas e todos os dias,

ser apenas de tanto parecer

E sem dar a morrer, conhecer

O eu verdadeiro, seu.


Falsificaria a sua identidade espúria,

tornando-a à maneira!


Grandespingarda!

Grand pestola!


Finalmente uma identidade

com que se identificava.

Não precisava, de estar

sempre a enumerar

o ónus da desvirtude,

sob o falso pretexto

de se manifestar, em paz,

com a sua mediocridade.


Antes enumerar todas as Vic-tórias!

Todas as GÊ-ÉL-Ó-ÉRRE-Í-HÁ-GLÓRIAS!

Realizar todas as histórias,

que deram uma ficção.

Todas as memórias que não

precisava já de lembrar,

pois ele era

todas as memórias de si.

Próprio de si

e de si próprio estava cheio.

Pôs-se a navegar.


Não conseguia evitar, mesclar

ficção e realidade.