Número 18

22 de Janeiro de 2022

UM DIA ASSIM

Revelação intangível

JORGE VELHOTE

Ininterrupto seria o caudal da água ali ausente. Apenas o meu olhar se confinava sem agonia ou desmerecimento. Um tributo clamando pelo efémero ou um abrigo onde perder as mãos.

Seria piedoso se assim bastasse. Mas as cinzas e os vermes, essa matéria das estrelas que por vezes respiramos, são a medida de uma gramática, a percepção de uma dissimulação ou sepulcro.

Não estranhei o pranto inexistente. Um remoinho de vento em sossego por ali também parou. O que se observava era uma imagem penitente. Um desenlace cravado no negrume da angústia apesar do sorriso puríssimo.

Nenhuma palavra escarpou do fundo da terra. Nesse rumo em debanda eu era hóspede apenas de mim, em órbita sem espelho, acoitando na queimadura das vísceras um fogo ressequido. Um cântico a desvelar.

Nesse infinito, submerso de pureza imaculada, em fragor, o meu olhar era íntimo do seu decepado olhar.