Número 24

30 de Julho de 2022

PRAÇA DA ALIMENTAÇÃO

Rosa e Vermelho

PERLITA

Adeus cocó

(conclusão)

recriação não autorizada. Já para não falar que nenhum estado autoritário que se preze permite militares com pelos. As pilosidades sempre foram liberdades revolucionárias, associadas a uma estética ora em desuso, ora num retorno Hipster.

Mas voltemos ao início. Ou melhor, ao fim. Ao destino dos nossos dejetos. Ensinamos às crianças, através de inúmeros livros, que fazer cocó em água potável não é nada de especial. Que não devemos temer a viagem que o cocó fará pelos canos. Que devemos praticar desde cedo o desapego das nossas partes. Mas curiosamente, em idades adultas, temos mais reticências com o ciclo deste desapego do que gostamos de considerar.

Cesar Añorve é o arquiteto que vive na casa de Ivan Illich em Cuernavaca, México. Lá, mostrou-nos a sanita seca que tinha desenhado e acabado de usar, no seu quarto. Mostrou-nos, orgulhoso, o quanto cheira bem. Mostrou-nos todo o ciclo da sua “calabaza”. Ao fim de um a dois anos, está a comer dela, plantando espécies comestíveis na sua compostagem.

Contou-nos a dificuldade que tem de se desapegar desta responsabilidade, especialmente em viagens, onde usa um depósito portátil para não desperdiçar os seus desperdícios.

César Añorve esteve envolvido na política ecológica da extensão desta responsabilidade às canalizações, à soberania alimentar[1] e à despoluição dos rios[2]. Os resultados foram impressionantes. Trata-se dum choque civilizacional. As pessoas aprenderam que a marca da civilização é fazer cocó em água potável, e na sua falta, perderam o conhecimento ancestral de lidarem com os seus dejetos, que abandonam de qualquer maneira. Apesar de existirem inúmeros livros sobre o tema, entre os quais o manual How to shit in the woods, de Kathleen Meyer, já na terceira edição, a praga de cocós abandonados e subsequentes doenças infeciosas continua a escalar.

A solução deste problema não está à vista. Talvez tenhamos de recorrer ao emoji do cocó com olhinhos[3], ou à estranha tradição catalã de Natal[4]. Ou correr a tapar o problema com um papelito.


***


Morte rosa

Juro que não fiz de propósito.

Tive um orgasmo rosa.

Já me tinha acontecido antes, mas tinha visto outras cores, mais concretamente, ágata azul e outros tons do espectro.

Não sei que detalhes levaram a este desfecho.

Talvez por estar lá fora e ser de dia, quem sabe.

Seja como for, intriguei-me se seria eu a única com estas capacidades.

Verifiquei rapidamente que não.

Deparei-me com um artigo na Vice[5], sobre pessoas que veem cores e sentem sabores quando orgasmam. O termo técnico é sinestesia sexual.

Senti-me bem, sou das mais normais. Só vejo cores. Há pessoas que sentem o sabor de chocolate preto, ou que lamberam uma bateria de 9 volts.

Ao ler o artigo, fiquei curiosa com os cientistas que estudam o tema (são bastantes).

Lembrei-me da outra bióloga, que versou sobre o orgasmo em fotografias.

Fui ver no Google.

Deparei-me com um blog onde a criticavam dizendo que não foi original.

Que muitas outras pessoas tinham fotografado a sua cara a virem-se antes.

Que inclusivamente existe um portal sobre isso.

Fui ver.

Chama-se Beautiful agony – facetes de la petit mort[6].

Estão lá as caras de homens, mulheres, pessoas trans.

Acreditam que é o envolvimento com a cara, mais do que com o corpo, que propicia a carga erótica nos seres humanos.

Fiquei a saber que pequena morte se refere ao período refratário que ocorre depois do orgasmo. Fiquei também a saber que a experiência humana é validada por tomografia por emissão de positrões[7].

Mas, voltando à bióloga, o que mais me surpreendeu foram os detalhes íntimos tornados públicos da sua vida.

Fiquei a saber que o ex-marido que a fotografou foi encontrado morto na mala de um carro.

Fiquei a saber pelas revistas cor de rosa que ele e a Cristina Caras Lindas eram eternos namorados[8].

Não sei que mais aprendi com isto.

Talvez a cor do azul Prússia, que tinha visto sem saber o nome.

Quem sabe, se nomear melhor as cores, também lhes tomo o gosto.


[1] https://sswm.info/sites/default/files/reference_attachments/ESREY%20et%20al%202001%20Cerrando%20el%20Ciclo%20SPANISH.pdf

[2] http://www.economiamexicana.cide.edu/num_anteriores/XVI-2/04_GARCIA.pdf 

[3] https://www.wired.com/story/history-of-poop-emoji/  

[4] https://www.catalannews.com/culture/item/why-do-catalan-christmas-traditions-involve-poo 

[5] https://www.vice.com/en/article/kz58ax/see-colors-and-taste-flavors-when-they-orgasm

[6] https://beautifulagony.com

[7] https://pt.wikipedia.org/wiki/La_petite_mort

[8] https://caras.sapo.pt/famosos/2017-09-01-revelados-os-resultados-preliminares-da-autopsia-de-pedro-palma/