Número 42

10 de Agosto de 2024

NÃO ABRIR

Soldadinho de chumbo

SEBASTIÃO CASANOVA

[Estou, eu] mais velho do que nunca,

mais velho ainda do que quando nasci,

e pedi para ver

os sapatos das noivas.


Disseste-me

que lá fosse eu,

e eu fia.


Tramando as pregas, duas a duas, com mãos ainda curtas,

caçava e folgava duas vezes para chamar a atenção.

Semblante de regozijo, lá do cimo,

do castelo de claras, de onde

ecoava seguinte, o enigma:


 “Diz, meu amor?”


 “Posso ver os teus sapatos?”


      (Oh que emoção. As crianças são mesmo incríveis, não são?)


Num instante, ficava coberto de todo

aquele cetim merengado. Imagine-se,

um soldado solitário no cume de um bolo

de casamento, de chumbo,

dada a densidade da atmosfera protuberante.


Casei-me com todas as noivas que até mim desciam

cobrindo-me com o olhar cândido e revelando

o tornozelo para que pudesse tê-lo:


O sapato de salto, alto branco

Sandália, por vezes, afivelada ofuscava

a suspensão do tempo, mas

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recordo a continência gélida

do vestido branco que me envolvia

quando conseguia

exatamente aquilo que queria.


Oh como quero morrer e acordar ao teu lado!

Cristalizada na lágrima em apneia

Com o gato aos pés e as flores estranguladas, vertendo

qualquer seiva espúria na sua existência bela e finda.

Dá-lhes tempo à medida que ele passa,

corre-se sempre o risco

de se saber o que se quer.


Corro desalmado atrás de um ar

Ladino lar, plácido, domino-me,

sem ainda ter percebido

para que serve aduzir sem nunca ter

e querer sempre ver o lustre conubial

que te cobre como glaçage simples.


Técnicas de pastelaria célere.

Séria correria ao longo do longo

salão.


Desembestei-me por cima da sobremesa!

Farófias no sobretudo azul

de veludo tímido e túmido

esquálido, em matéria de grandes dizeres.


Por fim cansei-me e cresci,

Não posso andar aí

a pedir às novas noivas que me mostrem o calçado.


Noite de gôndolas, charutos de longa

tripa. O fato melhor e a forma

do envergar encontra-se

num lugar longe dos comensais ensossos,

chupando as clavículas do banquete.

Alegre prurido de heroísmo pícaro.

Alardeado. Pobre diabo velho.

Vou-me encontrar.


Eis que entra o noivo, abrindo as portas com a cabeça!

Montado numa mesa redonda, de saias esvoaçantes

e rodinhas de supermercat.

Pedindo a todos que cantem muito a hora da sua alegria:


Ai que lindo este dia!


O pai vomita na Vichyssoise,

O primo pugnaz destemido decide pelear,

A mãe aproveita para fumar um cigarro.

A avó não compreende o que se está a passar.

Os padrinhos inflamados preparam-se para arrulhar

Éferreás e outras modinhas da faculdade.


E num momento só nosso, que por mais

ignito jamais poderá o futuro apagar,

destino-me a inculcar,


Se debaixo do seu vestido lacustre,

se importará a noiva de mostrar


O calçado que traz no pé.