I. Introdução
Um policial deve começar pelo paroxismo do acto, o movimento de facadas repetidas e convulsivas: espasmos, o revirar de olhos (imagens de rostos em anonimato), a estimulação dos próprios ogãos (mesmo os sexuais), pagamentos feitos a dinheiro vivo (yuan e dollares). Em silêncio, partimos de um sítio específico, um marco na estrada. Eu não te sigo, nem sei ainda o que sinto (é certo que, como é costume, bebi demais). Mas seguem-se as principais pistas (ou cenário do crime):
Caixas, pedaços de cartão
sobre o asfalto
entre o poste e os
contentores de lixo
contentemo-nos ainda com
um sapato, um prato com
comida para gato
uma rosa pisada e o pedaço
de um rosto
um lábio inferior e um queixo
decepados
sorrindo
no chão
o cão que passa à procura do gato
segue com o lábio na boca
a gente que se junta ignora
a polícia que chega num carro
azul sujo
O bloco de notas diz que o
zombie afinal não é
um criminoso em série
é um mero monstro
de uma ONG. OMG!
Carros, corpos
guiado pela pela lógica de um
golpe fatal
amoroso
criminoso
II. Enredo
A fórmula policial cruza o comentário filosófico, sociológico ou político sobre o estado da nação, glosando sobre a própria globalização. Aqui se faz e desfaz o problema: o vilão é inocente, a pegada é de outro, a pista é falsa, a credulidade não é mais que outro tipo de crime. É no meio que nos afeiçoamos aos nosso próprios erros e nos apaixonamos. Foi aqui que te menti várias vezes e nos amámos em lugares comuns. Não há nada mais comum que o meio da estrada, onde tudo acontece. O sangue escorre e o estômago dobra-se sob o coração.
Crimes, há-os para todos os gostos
criminosos (de púpilas brancas
sem rosto)
Há muros com
mensagens de amor
em bairros sem luz
há gatos, pessoas e sonhos
camas sem casas
muros murros mudos
tantos tantos feitos
a preceito
Há muros longos
com mensagens longas
como o da entrada da N22
que se alonga até aqui: NÂO ME DEIXES M / NÃO ME DEIXES AGORA / VAMOS ATÉ
AO FILM DA ESTRADA/ ReNdA BáSiCa REnDA MíNIMA / DEPORTAÇÃO DE
MAIORIAS JÁ!
Olhei para o muro devagar
e por um momento apercebi-me
do sinal/que deixei
a minha gabardine no teu apartamento.
Errámos durante tanto tempo, pensei
e depois percebi que também somos muros
que se levantavam
um para o outro
à vez
Há corpos por todo o lado
sorrindo
ou não
Há Novos Bancos
Há Espiritos Santos